Mesmo com liminar proibindo a execução do contrato, o órgão iniciou o serviço com a empresa Innova Placas antes da revogação da decisão judicial, o que pode configurar descumprimento de ordem judicial e ato de improbidade administrativa.

Mesmo proibido pela Justiça, o Departamento Estadual de Trânsito do Amazonas (Detran-AM) deu continuidade à execução de um contrato milionário para o serviço de emplacamento veicular, suspenso por decisão judicial.

Documentos obtidos pela reportagem confirmam que o órgão iniciou oficialmente o serviço com a empresa Innova Placas no dia 17 de outubro, antes da revogação da liminar — o que pode caracterizar descumprimento de ordem judicial e ato de improbidade administrativa.

Decisão judicial foi ignorada

A liminar foi concedida em 25 de setembro de 2025 pela 4ª Vara da Fazenda Pública de Manaus, no processo nº 0195513-51.2025.8.04.1000.
A decisão do juiz Paulo Fernando de Britto Feitoza determinava a suspensão imediata do Pregão Eletrônico nº 144/2025, que visava contratar uma empresa para o serviço de emplacamento em todo o estado.

O magistrado apontou falta de comprovação do capital mínimo exigido, inconsistências contábeis e fragilidade nos atestados técnicos apresentados pela empresa vencedora, Innova Placas.

Mesmo assim, o Detran-AM seguiu com o processo e habilitou a empresa junto à Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) — etapa obrigatória para o início das atividades — e iniciou o serviço em 17 de outubro, quando a liminar ainda estava em vigor.

A revogação só ocorreu quatro dias depois, em 21 de outubro, e foi publicada no Diário Oficial do Estado no dia 29, quando o contrato já estava sendo executado.

Bastidores da licitação

O caso teve início com o Edital nº 580/2024, que previa a contratação de uma empresa especializada em emplacamento veicular para atender todo o Amazonas.
Por se tratar de um serviço essencial à segurança viária, o edital exigia teste prático (Prova de Conceito) e vistoria presencial antes da assinatura do contrato — medidas criadas para garantir a capacidade técnica e operacional da contratada.

Fontes internas relataram, sob anonimato, que no primeiro certame o Detran-AM chegou a habilitar uma empresa de dedetização, sem experiência comprovada na área de trânsito.
Mesmo após inconsistências, a empresa foi mantida na disputa, e o processo sofreu sucessivos adiamentos da prova prática.

Foi então que a Innova Placas, que não figurava entre as primeiras colocadas, apresentou um recurso fora do prazo, pedindo o fim da vistoria técnica.
O argumento, segundo servidores, não se sustentava, já que a vistoria estava prevista apenas antes da assinatura do contrato — e não como requisito para participar da licitação.

Pouco tempo depois, o Detran-AM anulou o Edital nº 580/2024 e publicou o Edital nº 144/2025, atendendo integralmente ao pedido da Innova.
As novas regras eliminaram a vistoria presencial e reduziram as exigências de experiência, que antes exigiam comprovação de ao menos 34 mil serviços de emplacamento — reduzidos para menos de mil.

O resultado foi o esperado: a Innova venceu o novo processo licitatório após uma “prova prática” realizada por videoconferência, sem apresentar equipamentos físicos, o que gerou estranheza até entre servidores veteranos do órgão.

Relações políticas sob suspeita

O atual presidente do Detran-AM, David Fernandes, é também secretário-geral do Partido Progressistas (PP) e aliado político do ex-presidente do órgão, o vereador Rodrigo Sá.
Fontes ouvidas pela reportagem afirmam que a nomeação de Fernandes e a condução do contrato refletem interesses políticos ligados à antiga gestão, reforçando a percepção de aparelhamento do órgão de trânsito.

Especialistas pedem apuração

Juristas e especialistas em Direito Público defendem que o caso seja apurado pelo Ministério Público do Amazonas (MP-AM) e pelos órgãos de controle.
A conduta pode configurar crime de desobediência, ato de improbidade administrativa, violação de dever funcional e até crime de responsabilidade.

“A lei é clara: enquanto a decisão está válida, deve ser cumprida. Ignorar a Justiça é ignorar o Estado de Direito”, afirmou um jurista ouvido pelo Portal Itinerante.

Escândalos em série

O caso se soma a outros episódios recentes de suspeita de irregularidades na administração estadual.
Após a Operação Metástase, que revelou fraudes milionárias na área da saúde, os holofotes agora se voltam para o trânsito, com denúncias de contratos vultosos, direcionamento de licitações e influência política.

Mais uma vez, quem sai perdendo é o cidadão amazonense.



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